Cassiopeia


passo muito tempo a sonhar com chamadas
perdidas. anseio que dependam de mim
muitas bocas para alimentar. pergunto
à lua se tem frio, se hei-de ir procurar-lhe
um cobertor. decoro paredes vazias com o uivo
agónico dos cães. talvez, como eu, acreditem
que a cidade é uma oficina de luz ilegal. talvez
lhes incomodem os discos voadores que convoco
para traduzir em coração nativo. setembro
é um ringue abandonado onde a noite desfere
sucessivos uppercuts contra as páginas
dos meus ossos carcomidos. passo muitas horas
a ver anúncios de complementos de cálcio.
às vezes ligo, para poder articular o meu nome,
desejar boa noite ao atendedor. é simpática
a gravação. salvo bombeiro em contrário, a esta
hora da noite sou o único fogo acordado. à espera
que chegue um postal de cassiopeia.

Renato Filipe Cardoso