Vimos sem culpa formada
Vamos sem absolvição
Possa a nossa condição
Desculpar-se acabada
Morde o gato ladra o cão
Cheira a rosa a couve não
Que é de sua condição
Uma cheira a outra não
Vá meninos e meninas
Chupa-chupem aspirinas
Senhoras e meus senhores
Tenham bancários amores
E mil outros estertores
E um televisor a cores
E uma avó a cores também
Pretibranca basta a mãe
Do crime de ter nascido
Vão os dois a tribunal
O papá por ter lá ido
A mamã etc. e tal
Há tão pouco classicismo
O que mais há são gozões
Manhas de versilibrismo
Fazer versos pró Camões!
Gosto de ti Rosa Alice
Queres tu vir na m’t’rizada?
Oh não queres que chatice
Atão queres ‘ma lambada?
Esta vida são dois dias
Uma noite a vida é
De dia sou Malaquias
Mas de noite sou Zezé
De dia mula-de-carga
Amarga lá isso é
À noite Zezé descarga
Quando se torna Zezé
Rosa Alice cheir’ a couve
A couve de sopas frias
Muit’ odeia Malaquias
Resposta que dela ouve
E em torno a sociedade
N’ eterna luta p’lo pão
Nunca sente saciedade
Qu’ ele há muita ambição
Quem tem pão quer broa doce
Quem tem broa quer faisão
Farto de faisão fartou-se
Quem tem saudades do pão
Por exemplo o João
No bufete do hotel
Come faisão a granel
Mas diz que l’e sab’ a pão
Vimos sem culpa formada
Vamos sem gato nem cão
Qu’ a vida seja ladrada
Como a rosa perfumada
Que é da sua condição.
Daniel Abrunheiro