Retrato


Sob a fleumática candura deslavada
Que convida ao desarme e à indiferença,
Esconde-se uma crueldade gelada,
Uma frieza glacial, uma dureza tensa.

Chamar-lhe-ia Cesário, melancólico,
“Sossegado espectro angélico da Morte”.
No seu país ensolarado e bucólico
É a eficaz serva dos povos do Norte.

Passam-lhe ao lado desgraças e fados,
As dores alheias é isso que lhe são.
Deleita-se com cifras, com mapas, com dados,
Tem um Excel no lugar do coração.

Presta-se, com gosto, a um sórdido dever,
Prestimosa ajudante de um cúpido teutão,
Rebaixar. a Pátria que a viu nascer,
Sem revolta, sem vergonha e também sem perdão.

Em bicos de pés, plácida e burocrática,
Feliz com a dor que o gnomo lhe inflige,
Declara, sorrindo, calma e hierática
Que dá ao senhor o que o senhor exige.

Dizem os outros, servos como ela,
Que é competente, sábia, eficaz!
Mas se se olhar com alguma cautela
Vê-se bem o que está por trás.

Está a falácia, o engano, a mentira,
Está a miséria, a fome e a morte
Mas o tempo muda e a roda gira
E novos ventos trazem nova sorte.

António Russo Dias