À Espera da Musa


Espero pela musa como quem confia
na transfiguração do mundo e na transmigração das almas.
Espero pela musa como quem não usa
usar o pensamento no lugar do génio
que todo o verso puro traz da luz eterna. Espero
pela musa, louco, pela musa espero, fonte
da minha criação sem termo. Um verso, musa,
um verso mais espero. E, se não vem,
sempre virá depois de apenas não ter vindo.

Musa espero, como quem confia.

Luís Adriano Carlos

Os Canalhas


Os canalhas estão em toda parte.
Vermes, crescem no lixo e no caviar.
Alguns andam descalços, maltrapilhos;
Outros passam por mim engravatados.

Estes senhores vermes são os piores,
Pois fedem a perfumes parisienses,
Usando o linguajar do overnight. Ah!
Como é gostoso vê-los exibindo

Os seus cornos vistosos de reis nus.
Seus destinos, porém, estão traçados:
Segundo o figurino do Iscariotes,

São sempre pela História retratados,
Exibindo uma língua de três palmos,
Pendurados num galho de figueira.

João Paulo Monteiro

Poema Andróide - Admirável Homo Habilis


tablet - utensílio de mesa
webcam - espelho de cama
facebook - wc sem água
smartphone - conpagnon de route
twitter - superego orbital
instagram - alfaia de cultivo
whatsup - caderno escolar
gps - parabólica castrense
google - guantánamo digital
youtube - máquina de hospital
telemóvel - polícia de bolso
selfie - arma cinética
sms - alarme nacional
piercing - agrafo tribal
junglex

ti
ches
coups-de-poing électroniques
novo reino animal

César Príncipe

Leonor


A Leonor continua descalça,
o que sempre lhe deu certa graça.

Pelo menos não cheira a chulé
e tem nuvem de pó sobre ò pé.

Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor

Um filhito ranhoso na mão,
uma ideia já podre no pão.

Meia dúzia de sonhos partidos,
a seus pés, como cacos de vidros.

Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor.

António Cabral

Câmara Lenta


Vi, claramente visto, o ódio vivo
Vi, claramente visto, o ódio obtuso
Vi, claramente visto, um ódio Antigua
Vi, claramente visto, um ódio turvo

Por sobre o pescoço de um detido
Fincado no pescoço de um detido
Esmagando o pescoço de um detido
Um ódio racial cruel convulso

Domingos da Mota

Nunca se Sabe


Há quem saia de casa
com tudo por fazer

E há quem se levante
faça a barba
tome banho
vista roupa lavada
escolha cuecas e meias que não estejam rotas
e faça a cama

Nunca se sabe o que pode
acontecer

Paulo Moreira Lopes

25


Nesta girândola de rapazes e raparigas, que vulva lavada com água de rosas, de solidão, me espera? Rebenta nos olhos uma intensa claridade das tuas coxas: nocturnos cristais de suor na pele: a água convoca o fogo. Posto no olhar, que eu largo como cão na mata das virgens. Contigo, depois das olheiras roxas, tenho o imenso pasmo pela quieta harmonia do mundo.

Adelino Ínsua

Caminharemos por Ruas


os dedos em convulsões oceânicas
onde me avisas um sorriso de coral

é pontual o acaso de responder-te
um imponderável jantar de ostras
ao lugar nas palmeiras do teu cabelo

sabendo a que horas chegamos para dormir
juntos caminharemos ruas sem destino.

José Queiroga