Crepúsculo de Setembro em Cacela


Um ar tão doce como se
estivesse dizendo o último
adeus a alguém.

Teresa Rita Lopes

Onde nem Tudo o que Luz é Oiro


Somos talvez até um país rico,
e tivemos Camões, e tivemos pessoa e o infante,
mas a beleza está nos escombros,
e atola-se na areia e morre sem nos ver.
porque se eu abro a minha mão à noite
e nela só vejo as linhas do destino,
de que me vale a história do meu povo?
Sim, é possível que a profética rosa do oriente
ainda venha pelo rio da primavera
ancorar na solidão imensa deste cais.

Eduardo Valente da Fonseca

Conheço as partes altas da minha alma
Onde o silêncio chove das horas pálidas,
O meu jardim morre, o Teu jardim começa,
A Tua eternidade flutua como uma bandeira
E as Tuas aves tem espaço para voos sem orlas.
Nesta fronteira as brisas desfolham as florestas
E ouve-se o rumor do grande país longínquo.

Nuno de Sampayo

É a Guerra, meu Amor


É a guerra,
meu Amor, é a guerra

e os homens que fazem a guerra
não sabem o que é
Natal sem lâmpadas
mesas sem flores
tardes sem mãos.
Não entendem
isso não!
A metafísica das árvores no Natal
nem essa questão
de andar de mãos dadas todo o ano

Para eles
o símbolo da continuidade
está nos filhos
carne do seu próprio nome

Se entendessem, meu amor
não teria morrido
o soldado que nunca vi
e tem dois filhos pequenos

Ivone Chinita

Ilusão


fizemos a descida num ápice
era ainda o tempo de brincar
agora assim mais logo à apanhada
toda a infância tem um sonho
poder parar a vida por momentos
sabes espera aí olha uma joaninha
mas porque sim não é resposta
nesse dia era em setembro
as uvas esperando
e debaixo do último calor
não havia ainda a escola
tudo o que depois nos prenderia
o sentir era livre a dor adiada
e crescia intacta a vida o mundo
ao lado o pelo do cão esperando uma festa
quando a sombra de todas as árvores
ou os medos que a noite trazia
não eram suficientes para calar
o que tínhamos para dizer então
no grito que se despenhava rolando
cada vez que entrava um golo.

Pedro Strecht

Bailemos Nosotras las Tres

II
Bailemos nosotras las tres, ay amigas,
bajo estas avellanedas floridas,
y quien fuera como nosotras bellidas,
de amigo amar,
bajo estas avellanedas floridas
vendrá a bailar.

Bailemos nosotras las tres, ay hermanas,
bajo este ramo de estas avellanas
y quien fuera como nosotras lozanas,
de amigo amar,
bajo este ramo de estas avellanas
vendrá a bailar.

Por Dios, amigas, mientras que más no hacemos,
bajo este ramo florido bailemos
y quien bella parezca, como parecemos,
de amigo amar,
bajo este ramo, cuando juntas bailemos,
vendrá a bailar.

Airas Nunes

O Meu Relógio Parado


Comigo,
Trago um relógio parado
Que uso todos os dias.
Trago tantas outras coisas
De um baú
Que não vasculho
Pois esse relógio
Parado.
Se calhar ferrugento
Mas parado
Está certo uma vez
Ao dia
Outra
À noite
E parado
Anda sempre
Comigo.

Nuno Pinto Bastos

Antiquíssima água, no avesso da pedra,
ainda hesitante em ser prosa ou cantiga,
quase lágrima ou riso. Desde sempre
é inscrição, enlace, luz: parte do fogo,
promessa do amor, espelho da transcendência.
Amabilíssima água.
Hialina.

Paulo Ferreira Borges