Viver Sempre Também Cansa


O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica!
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha!
não há flores que voem!
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação!
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos;
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...

E obrigam-me a viver até à morte!

Pois não era mais humano,
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte!

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer, com teu sorriso
onde há um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã!
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela!"
E virias, depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a morte, ainda menina, no meu colo!

José Gomes Ferreira