Aos Que Ainda Dormem
Erguei as frontes para a luz que nasce,
Vós todos, meus irmãos, que andaes na lida.
Que importa que ella vos escalde a face,
Se ella vos abre os olhos para a vida ?
Quantos nasceram e quantos já morreram
Sem o beijo sagrado d essa mãe !
Mas esqueçamos : novos tempos vieram
E com elles a fé no eterno Bem.
Temos o céo aberto em nossa frente
E o desejo bastante p'ra ganhal-o .. .
Se nós subirmos continuadamente,
Hoje, ámanhã, havemos de tocal-o.
Eu não venho enganar a vossa fé;
Amo-vos muito para ser cobarde.
Venho dizer-vos como a Vida é,
Mostrar o bom caminho, embora tarde.
E por isso vos grito : camaradas !
Uni-vos todos, porque a união é força.
Que o futuro se abra a enxadadas
E o braço, embora quebre, que não torça.
Somos a legião dos esquecidos,
Os filhos d'uma terra condemnada.
Temos na lucta o premio dos vencidos
E uma vida que é morte continuada.
Por este valle de lagrimas errante,
Ninguem nos abre a porta nem dá um pão!
E démos vida aos campos verdejantes
E volvemos na dôr o arido chão . ..
E inda falam de patria á mocidade,
Esses que nos fizeram desgracados 1
Mas a patria é uma só : a Humanidade,
E tudo o mais povos sacrificados.
Patria p'ra quê, se a patria é um egoismo
E uma falta d'amôr aos estrangeiros?
Homens, deixae o vosso patriotismo,
Porque nós somos todos companheiros.
Amae, amae, sem distincção de raça :
O amôr á patria é odio á Humanidade ! ... ,
Ah ! que o bom sol em noite se me faça,
Antes que eu minta em nome da Verdade !
Bem sei que ergo palavras para o vento,
E muitos dizem que trabalho em vão ...
Mas fogachos que deita o pensamento
Ou cedo ou tarde hão de formar clarão.
Quem sabe se este grito que levanto
Não vae encontrar echo n'outros peitos?
O mundo é largo : e a lucta que hoje canto
Hade tornar os homens mais perfeitos.
Depois eu não me enfado de o dizer :
O Bem não morre, ó meus amigos! e hade
A fama de Alexandre inda esquecer
Sem que se esqueça nunca uma verdade.
O que nos fala á alma não se apaga,
Nem se mistura ao que deslumbra a vista.
Homens, ao mar! e embora cresça a vaga
Onde ha força a que a fome não résista ?
Nós tambem somos como os marinheiros,
Cada dia lancamos nossa rêde.
O amor do Bem faz-nos aventureiros,
A ancia de justiça traz-nos sêde.
Eu por mim sigo d'olhos no futuro,
Em demanda do Reino da Verdade.
Para viver basta-me o veio puro
Que emana da tua fonte, ó Liberdade!
Embora o sangue tombe gota a gota
Seguirei sempre e heide alcançar a luz.
Tambem se alguem me vir a farda rota
Não dirá que matei, mas vesti nus.
Siga cada um de vós este caminho,
Fite cada um de vós este clarão,
E inda que todos vão devagarinho,
Acharão terra que dê vinho e pão
Palmo a palmo acabarão os espaços,
Pedra a pedra as montanhas serão razas ...
-Assim, por tanto erguerdes vossos braços,
Um dia chegará que tereis azas l...
Thomaz da Fonseca