No meu cachimbo de urze, fumo, fumo:
o fumo ondeia como eu, sem rumo…
Nada sei, nada sei: nada me importa…
(És noiva doutro, amante doutro ou morta?)
Nem arte, nem amor, nem santidade;
nem heroísmo ou sonho: nem saudade…
A chuva cai: um corvo no jardim…
E nada, nada, nada dentro de mim.
Assim esterilmente me consumo:
no meu cachimbo de urze, fumo, fumo…
Não tem sentido a vida: é este lodo apenas
com estrelas ao longe em música de avenas.
Tudo virá igual e friamente,
eternidade além… Rastejar de serpente.
É o éternel retour de Zaratustra,
ideia de terror que tudo gela e frustra.
E a alma que tem sede de divino
é uma bússola louca, é um leme sem tino.
Assim esterilmente me consumo:
no meu cachimbo de urze, fumo, fumo.
António Patrício