Elegia


Não ignores a noite, poeta,
e seu hálito estranho que amadurece as luas,
os livros de silêncio que abrem as estrelas,
as profecias escutadas no brilhar dos poços...

Não ignores a noite, poeta,
e a forma carnal que a escuridão toma cada sítio,
e o peso dos cheiros, rolando bem musculado,
nos rios vegetais que barram os caminhos,
o mundo das aves confusas que faz florir o espaço
e se vai aninhar entre as brisas coalhadas...

Não ignores a noite, poeta,
e seus peixes de sono deslizando entre os ombros das pedras,
as cicatrizes de luz que o sol deixa nas árvores prisioneiras,
as dálias de sangue que os pastores tecem nas cabanas vazias...

Não ignores a noite, poeta,
e as canções que a água reparte crucificada nos ramos do céu,
e os sonhos puros dos animais contentes de sémen e de terra!...

Leonor de Almeida