Necrologia


A poesia está ai, em qualquer canto
menos nos compêndios de moral
nas regras formais
e nos discursos de inauguração
de bairros oficiais que não existem…

Para exemplo
de pura ocasião
a poesia está, todos os dias
na necrologia dos jornais:

é crianças e mais crianças…
Na relação dos feridos
nas catacumbas das prisões
e nos bancos dos hospitais:
“acometido de doença súbita
no Musseque Lixeira,
foi transportado na ambulância,
Domingos João, que morreu
hoje, Quinta-feira.”

A poesia está ai, disfarçada em qualquer canto
menos nos compêndios de moral
nas regras formais
e nos discursos de inauguração
de bairros oficiais que não existem…

E, até por ironia,
está escondida na necrologia dos jornais!…

António Cardoso